A montanha russa da COP28 e a necessidade da conservação dos oceanos para a regulação do clima. Entrevista especial com Ronaldo Christofoletti

Professor, que participou da conferência em Dubai, reconhece que se poderia ir além. Mas, diante do contexto, já considera o resultado uma vitória

Foto: Projeto Tamar | Divulgação

Por: Patricia Fachin | Edição: João Vitor Santos | 18 Dezembro 2023

Diante do que foi debatido acerca dos danos causados ao planeta pelo uso dos combustíveis fósseis, a conferência sobre as mudanças climáticas deste ano, COP28, pedia um relatório final mais contundente, o que não houve. Mas quem esteve lá destaca que ainda há o que celebrar. “Não é um acordo que agrada todo mundo, mas poderia ter sido pior. Demos um passo e demonstração de força em uma COP que era realizada na região produtora de petróleo. Isto também tem um sinal positivo para os próximos anos”, afirma o professor Ronaldo Christofoletti, que acompanhou presencialmente os últimos dias do evento.

Em geral, sua avaliação sobre a COP é de “foi bastante complexa, uma montanha russa ao longo dos dias”. Na entrevista a seguir, concedida pelo WhatsApp ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, o professor observa que, na mesma proporção em que houve um avanço quanto à necessidade de uma transição energética, cresceu também a resistência dos grandes produtores de petróleo. Aliás, na própria postura do Brasil esta contradição ficou evidente. “Apesar de estarmos com toda esta discussão na COP, houve um não entendimento real do que foi a adesão do Brasil a OPEP+. Também tivemos a dificuldade de entender por que motivo o leilão dos blocos para a exploração de petróleo na costa brasileira foi marcado para um dia depois do fim da COP”, diz.

Christofoletti destaca como positivos os debates e as tomadas de consciência sobre o papel dos oceanos na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Sobre o acordo final, diz que foi uma vitória a sinalização pela necessidade de abandono de combustíveis fósseis pelos Emirados Árabes, país-sede da COP e líder na produção de petróleo. “Todos nós gostaríamos de ver um caminhar mais rápido. Mas, muitas vezes, resolver um conflito na nossa família ou no nosso trabalho não é tão fácil, quanto mais um conflito global, que envolve todos os setores de todos os países”, reflete.

Ronaldo Christofoletti (Foto: Arquivo pessoal)

Ronaldo Christofoletti é professor da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp, presidente do Grupo de Especialistas em Cultura Oceânica da Unesco. É doutor em Zootecnia pela Unifesp, mestre em Biologia Comparada e graduado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo – USP. Realizou quatro pós-doutorados: dois períodos na USP, um na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Unesp e outro na University of Wales, Bangor – School of Ocean Sciences, SOS Bangor, Inglaterra.

Confira a entrevista. 

IHU – Que balanço faz da COP28?

Ronaldo Christofoletti – Ela tende ao positivo, claro, não atingiu todos os objetivos que a sociedade esperava. Foi bastante complexa, uma montanha russa ao longo dos dias, mas por que eu entendo como uma COP positiva? Primeiro, porque foi possível manter, no documento que sai da COP, o Global Stocktake. O que é este documento? Bem, existe o Acordo de Paris, que é um acordo que todos os governos fizeram para combater as questões de mudanças climáticas e minimizar os seus efeitos. Anualmente, a COP revisa este documento, que é um balanço geral sobre o que foi firmado no Acordo de Paris e um reajuste da rota.

Neste momento da COP28, existia uma proposta muito clara de que do Global Stocktake deste ano tinha que sair um acordo com um cronograma para a nossa redução, visando zerar a emissão de combustíveis fósseis e promover a transição para energias renováveis. Ao longo dos primeiros dias, este foi o tema mais polêmico, onde vários países produtores de petróleo demandaram, e até em algum momento venceram, a retirada deste ponto do documento.

Apenas no último dia, depois muita negociação, conseguiu-se que este acordo ficasse num meio termo. Voltamos da COP como um acordo consensuado entre os países para que, até 2050, façamos uma diminuição gradual de recursos fósseis, com uma transição para as energias renováveis. Porém, os prazos e as metas não aparecem com clareza. Então, algum país pode dizer que vai fazer isso somente no último ano, em 2049. Isto que faltou, não saímos com um cronograma, um calendário com fases para cumprir este acordo. Mas, ao menos, manter este acordo foi importante.

Saiba mais sobre o Global Stocktake da COP28.

Oceanos

Entre outros pontos que considero como avanço está o de garantir a inclusão de temas que tratam de alguns pontos sobre o papel dos oceanos neste processo. É a conservação dos oceanos para a regulação do clima. E esta inclusão, boa parte dela liderada pelo governo brasileiro, foi acatada e isso é um ponto positivo. Afinal, 70% do nosso planeta é oceano e o oceano é que regula o clima. Entendo que, entre outros pontos, temos aí um sinal positivo.

Poderia ter sido pior

Não é um acordo que agrada todo mundo, mas poderia ter sido pior. Demos um passo e uma demonstração de força em uma COP que era realizada na região produtora de petróleo. Isto também tem um sinal positivo para os próximos anos.

IHU – O senhor participou presencialmente da COP28. Pode nos dizer como é este ambiente?

Ronaldo Christofoletti – Estar na COP é uma experiência única e bastante interessante. A COP é o maior evento mundial temático. Neste ano tivemos 70 mil pessoas. Ele traz alguns eventos positivos, pois é uma atividade transdisciplinar que reúne todos os setores da sociedade. Temos representantes da sociedade civil, dos povos indígenas, dos povos tradicionais, dos governos municipais, estaduais e federais, das universidades, empresas de todos os setores e países do mundo. É um grupo muito diverso, e esta diversidade traz riqueza. Claro que traz desafios também.

A COP também tem três espaços. Há uma primeira divisão entre Área Azul e Área Verde. A Verde é aberta à sociedade, engajamento principalmente com a sociedade da região que recebe a COP, com feira de ciências, discussões mais abertas. A Área Azul é onde apenas as delegações e o pessoal credenciado podem entrar, e tivemos mais de 70 mil pessoas credenciadas este ano.

Nesta área azul temos pavilhões, que são onde os países agregam suas discussões e pautas, mas também existem outros pavilhões. Por exemplo, existe um pavilhão para cada um dos objetivos do desenvolvimento sustentável, pavilhões de empresas, temáticos como de educação e outros. E dentro da Área Azul ainda há as salas de negociação: são 40 salas em que só entram os negociadores credenciados de cada país. São os que entram na grande negociação das discussões. Por isso, digo que são três áreas: na Área Azul tem a negociação e as áreas temáticas, enquanto a Área Verde é totalmente aberta.

Bela experiência, com discussão difícil

A experiência é muito boa, com discussões ricas e variadas. Claro, é impossível acompanhar tudo, mas é possível entendermos mais, conversar, trocar conhecimento e entender as diferentes visões, buscar um consenso. Isso ajuda nas discussões que ocorrem nos pavilhões, embasam os negociadores que nos representam.

E por ser um evento tão diverso de áreas e situações geográficas, não são discussões fáceis. São muitas visões diferentes sobre um mesmo problema que afeta a todos. Por isso é necessário haver muita negociação, compreensão, empatia, busca de consenso para olharmos este processo.

IHU – Como os efeitos e as propostas de mitigação para os fenômenos climáticos extremos foram tematizados na COP?

Ronaldo Christofoletti – Nas salas de negociações tínhamos as discussões dos termos do acordo final, mas nos pavilhões e nas demais áreas de debate o grande tema central foi a necessidade e urgência da adaptação às mudanças climáticas. Municípios, estados e países, todo mundo precisa pensar quais serão as nossas ações de adaptação. A mitigação são estes acordos que são feitos a longo prazo; ela tem um tempo, por exemplo para fazer a transição energética e começar a reduzir o uso dos combustíveis fósseis, e isso não é tão rápido. A adaptação é algo imediato e os extremos neste ano nos mostraram isso. Boa parte das discussões vinham neste processo.

Também destaco as discussões que abordavam questões do empoderamento da sociedade civil, das lideranças e da educação climática. No quesito educação climática, o Brasil foi um país líder neste debate, promovendo discussões que trataram das questões acerca dos oceanos neste cenário, como uma ferramenta para formar novos líderes até 2050. Afinal, são estes que estarão no mercado de trabalho e tomarão as decisões que precisamos.

IHU – Quais foram os discursos assumidos pelo Brasil na COP28 e em que medida eles se aproximam ou se distanciam do enfrentamento às mudanças climáticas?

Ronaldo Christofoletti – O Brasil teve discursos muito fortes, tanto na participação presidencial como na participação da ministra Marina Silva. Também o país se destacou nas discussões ministeriais, no papel dos negociadores, na defesa da transição energética, na defesa para que avancemos para a fase de eliminação do uso de combustíveis fósseis, na defesa da educação climática, na defesa da adaptação e mitigação de uma forma geral.

Isso tudo houve em meio a um processo conturbado, uma vez que temos um país muito grande, com visões diferentes. Apesar de estarmos com toda esta discussão na COP, ao mesmo tempo houve um não entendimento real do que foi a adesão do Brasil à OPEP+, esta rede de produtores de petróleo. Isso vai contra a fase de transição. Também tivemos a dificuldade de entender por que o leilão dos blocos para a exploração de petróleo da costa brasileira foi marcado para um dia depois do fim da COP. Aliás, o leilão da exploração na Foz do Amazonas não teve proposta e isso foi positivo.

Estas duas situações também trouxeram algumas reflexões sobre o discurso e a prática e como ainda precisamos alinhar melhor as duas coisas. São, realmente, os pontos mais complexos. O presidente Lula traz isso numa outra visão de que vai usar isso para fortalecer a pauta de remoção até 2050. Acho que aqui ainda precisamos entender um pouco como vai ocorrer este processo.

São dois pontos de atenção no Brasil, pontos que mostram que, mesmo internamente, ainda não temos um consenso numa pauta que é tão complexa e precisamos fazer a lição de casa. O Brasil precisa discutir mais este tema.

De volta à COP

Entretanto, o Brasil voltou para a COP. Ficou quatro anos afastado e voltou forte, marcando presença. A ministra Marina Silva foi muito importante, todos os negociadores e o próprio presidente Lula, nos seus dois discursos, teve uma fala contundente e fomos reconhecidos por todos os países pela sua importância.

IHU – Qual é o impacto dos combustíveis fósseis para os ecossistemas marinhos?

Ronaldo Christofoletti – O impacto dos combustíveis fósseis para os sistemas marinhos e para o planeta, como um todo, são péssimos. Os combustíveis fósseis geram o aquecimento global – muito gás carbônico na atmosfera. E, claro, vai gerando impactos nos ecossistemas marinhos.

O aquecimento global tem gerado o aumento do nível do mar, pois não tem mais o degelo dos polos, o que aumenta o volume do nível do mar e traz um problema para os ecossistemas muito costeiros, pois passamos a ter as praias perdendo suas áreas, tendo erosão e vai até atingir as cidades – não é mais um ecossistema costeiro, pois urbanizou-se em cima dessas áreas. Os ecossistemas naturais, manguezais e praias, vão sofrer com a elevação do nível do mar.

Para muito além disso, o aquecimento global também tem levado ao aquecimento das águas dos oceanos. Este ano temos mais de seis meses de temperatura de 0,4º Celsius acima da média, o que é muito para a realidade oceânica. Alguns dos impactos não conseguimos nem prever. Não há estudos que consideravam o que poderiam ser esses cenários.

Temos o aquecimento das águas, que pode levar a uma mudança fisiológica dos organismos, nos processos reprodutivos da produção de algas, etc. Além disso, tem a elevação do nível do mar e da acidificação dos oceanos. Os oceanos ficam cada vez mais ácidos e, especialmente, a acidificação dos oceanos e o aumento da temperatura juntos, para os recifes de corais, são muito negativos.

Na COP, a discussão era acordarmos que vamos aceitar o máximo de 1,5ºC de aumento da temperatura – esse ano enfrentamos 2º graus acima da média e todos sentiram o impacto disso. Ainda assim, com a temperatura máxima de 1,5ºC, teremos uma perda aproximada de 70% dos recifes de corais. E, se passar disso, praticamente 100% dos corais serão perdidos. Estamos falando de impactos muito fortes e grandes.

IHU – A situação dos ecossistemas costeiros foi pautada na COP28? Quais são as principais questões debatidas acerca deste ponto?

Ronaldo Christofoletti – Houve várias discussões sobre os ecossistemas costeiros marinhos por ambiente: recifes, manguezais e áreas. Eles foram pautados para entender quais impactos já ocorrem em cada região.

Nesse ponto, cabe destacar outro avanço do Brasil que assina outros dois importantes acordos internacionais: o Acordo da Aliança Internacional pela Conservação dos Manguezais e o Acordo dos Recifes de Corais, que são duas alianças diferentes e de grande relevância. Então, é o Brasil voltando à pauta climática, da conservação e dos ambientes marinhos.

Essas discussões foram importantes porque o que pensamos em mitigação ajuda a pensar nesses ambientes que não sofrem só com a mudança do clima, mas também com a pressão da urbanização e dos poluentes de uma forma ampla. Além disso, foi discutido como pensar o financiamento climático, que é essencial para conservar e trabalhar a questão desses ecossistemas.

IHU – Quais os eventos climáticos extremos registrados no litoral brasileiro e como essa situação tem sido abordada?

Ronaldo Christofoletti – O Brasil, assim como o restante do mundo, tem enfrentado diversos eventos climáticos extremos, de temperatura principalmente. Publicamos um trabalho esse ano que mostra como nos últimos 40 anos nós triplicamos o número de eventos extremos de ondas de calor na costa do Espírito Santo e quase duplicamos, em São Paulo e no Rio Grande do Sul, a frequência dessas ondas de calor.

Além disso, mesmo eventos de ondas de frio têm aumentado. São casos como o que ocorreu em junho, inclusive com um impacto muito grande de mortalidade na pecuária, com uma perda estimada em mais de R$ 10 milhões de reais pela passagem de uma onda de extremo frio.

O Brasil tem sofrido com esses extremos de calor, além de sofrer com os impactos dos extremos de chuvas, que infelizmente vimos em muitos estados brasileiros esse ano. A começar por São Paulo em fevereiro deste ano, ou com as chuvas intensas que passaram por Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Esses extremos estão aí e têm um impacto significativo na vida das pessoas, na saúde humana e na agropecuária: não é mais futuro; é o presente, como o que vivenciamos em 2023 nos mostrou.

IHU – Como o Brasil tem abordado a questão?

Ronaldo Christofoletti – Primeiro, com o reconhecimento da causa, voltando a entender que a mudança do clima está aí. Digo isso em termos de governos municipais, estaduais e nacional. Há uma preparação muito grande do governo federal para que iniciemos, em 2024, o Plano Nacional para Adaptação e Mitigação às Mudanças Climáticas, que deve estar alinhado com os planos municipais e estaduais.

Portanto, o Brasil vai entrar com um processo muito forte de governança para o planejamento climático. Precisamos agir, mas agir com base na ciência e planejar. Assim, esses planos serão construídos e esperamos que imediatamente comecem a ser executados pelos municípios, estados e governo federal. O Brasil é muito sensível à causa neste momento que vivemos.

IHU – O que é a Década do Oceano da ONU (2021-2030)?

Ronaldo Christofoletti – A Década do Oceano da ONU é a década da ciência oceânica para o desenvolvimento sustentável. É um período de dez anos em que a ONU convida todos os setores da sociedade, do mundo inteiro, a pensar formas de atingir as metas dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 a partir dos oceanos, da zona costeira, da conservação dos oceanos e da economia azul.

Ela traz um convite para que olhemos como a ciência nos ajuda a tomarmos decisões que contribuam para o alcance do desenvolvimento sustentável. Chegamos agora no fim do seu terceiro ano – pois começou em 2021 – já com bastante sucesso e com uma forte mobilização mundial.

O Brasil é um dos países pioneiros e de grande mobilização, onde temos desde escolas de ensino infantil até o setor privado, governos municipais, estaduais e federal, sociedade civil, comunidades tradicionais, todos pensando no que fazer. Temos que ampliar muito mais esse movimento, mas é um convite aberto para que cada indivíduo, cada instituição desse país entenda a sua relação com os oceanos, como estes influenciam nossas vidas e como as nossas ações os influenciam. Tudo isso para que pensemos nas mudanças que podemos ter e as ações que podemos adotar para atingir o desenvolvimento sustentável.

IHU — Muitos especialistas têm destacado o fracasso da Conferência. O desenvolvimento dessas conferências ainda tem sentido ou seria o caso de pensar alternativas organizacionais para tratar das questões climáticas?

Ronaldo Christofoletti — Conferências e conferências tão amplas em setores e pessoas como essas são difíceis e demandam muita negociação. Eu, particularmente, acho que todos nós gostaríamos de ver um caminhar mais rápido. Mas, muitas vezes, resolver um conflito na nossa família ou no nosso trabalho não é tão fácil, quanto mais um conflito global, que envolve todos os setores de todos os países.

Então, quando vejo avanços, como a inclusão de temas de oceanos, mesmo que uma mínima menção, prefiro olhar o copo meio cheio. Acredito que estamos aprendendo a negociar. A sociedade, cada vez mais mobilizada, vai facilitando as próximas discussões. Não acho que as conferências têm sido um fracasso; elas têm ajudado a construir uma sociedade que consegue entender suas diferenças, mas também entender a necessidade de se unir por uma causa comum. É nesse sentido que eu ainda acredito que elas são o espaço que nos permite dar passos à frente. Desconheço outros caminhos que nos levariam a chegar às mudanças que precisamos.

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